Mídia / Jornal Fera

Sobram vagas para negros por meio de cotas nas universidades de MT

20/11/2013

Pelo sistema de cotas raciais, 1.950 estudantes autodeclarados negros e pardos ingressaram na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) neste ano. O número representa 33% do total de matriculados na instituição de ensino superior, conforme dados da Pró-reitoria de Assistência Estudantil. Todos os cotistas cursaram o ensino médio em escolas públicas e a maioria possui renda per capita familiar de um salário mínimo e meio.
A pró-reitora de Assistência Estudantil, Myrian Serra, afirmou que, do total de 16.890 alunos matriculados na instituição, 47% se autodeclararam pretos, pardos e negros. "Destes, 7.901 estudantes são autodeclarados pretos, pardos e negros, sendo 5.901 estudantes veteranos (que ingressaram até 2012) e 1950 calouros (ingressantes em 2013)", explicou.
Segundo a pró-reitora, a política de ação afirmativa para estudantes negros na UFMT teve início em 2012 e estabeleceu que 20% das vagas em todos os cursos e turnos seriam reservadas para estudantes autodeclarados negros que cursaram integralmente a educação básica em escola pública. Desse modo, no ano passado, de 5.178 vagas, 1.029 foram preenchidas por candidatos autodeclarados negros que estudaram em escolas públicas. Ou seja, sobraram 276 vagas destinados aos afrodescentes e com renda inferior a um salário mínimo e meio.
O curso com maior número de alunos negros e pardos matriculados é o de serviço social, no campus da UFMT de Cuiabá durante o período noturno. Ao todo, são 52. De acordo com a assessoria da instituição, também constam da lista os cursos de direito, engenharia agrícola e ambiental, ciências econômicas, agronomia, engenharia civil. Já os cursos com menor número de estudantes autodeclarados negros e pardos são: sociologia, letras, matemática, enfermagem e ciência da computação.
A UFMT reserva 50% das vagas ofertadas em todos os cursos de graduação para cotistas, sendo 30% das vagas para estudantes que cursavam todo o ensino básico em escolas públicas e 20% para estudantes negros também de escolas públicas. As eventuais vagas remanescentes das cotas para estudantes negros são oferecidas primeiramente para candidatos de escola pública e, caso ainda sobrem, para ampla concorrência.
Para o coordenador da União de Negros pela Igualdade em Mato Grosso (Unegro-MT), José Pereira Filho, o baixo índice de afrodescendentes na faculdade se deve à pouca informação sobre a política de cotas. "Durante muitos anos não houve incentivo nas escolas e até hoje quase não há. Falta informação sobre o sistema de cotas e a aplicação da Lei 10.639 [de 2003] nas escolas. Pouco se discute sobre essa lei", disse, referindo-se à obrigatoriedade de ensinar a história e a cultura afrobrasileira nas instituições de ensino públicas e privadas, de ensino fundamental e médio.
A lei sancionada em janeiro de 2003 estabelece que deve ser incluído na grade de ensino o estudo da história da África e dos africanos, bem como a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à história do país. O conteúdo deve ser ministrado nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileira.
"Alguns professores fazem um trabalho isolado, porque não há obrigação de ensinar sobre a cultura dos negros nas escolas", lamentou José Pereira Filho. Por meio dessa mesma lei, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva também aprovou a inclusão do dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra no calendário escolar.

A carioca Ana Caroline Soares Christóvão da Silva, de 21 anos, é um dos estudantes que ingressaram na UFMT por meio de cotas. Ela cursa educação física desde o ano passado. "Me encaixei no programa porque estudei o ensino médio em escola pública, sou negra e tenho baixa renda", contou. A universitária afirmou que na turma dela, que possui um total de 40 alunos, só tem dois que entraram na universidade por meio do sistema de inclusão racial, incluindo ela.
Carol, como é chamada pelos colegas, disse que teve conhecimento sobre essa política quando estava no terceiro ano do ensino médio. "A diretora da escola onde eu estudava, no Rio de Janeiro, foi na sala e explicou sobre sobre cotas, mas até hoje existe muita gente que não conhece o sistema", afirmou, ao explicar que sofre certo preconceito por parte de outros alunos da universidade por ter sido beneficiada com as cotas, mas não dos colegas de classe.
Ela mora sozinha em uma quitinete no bairro Boa Esperança, em Cuiabá, no mesmo bairro onde fica situado o campus da UFMT, e paga o aluguel com o auxílio-moradia concedido pelo governo federal. Antes, ela ficava na Casa do Estudante, mas, depois de um protesto que resultou em confronto entre a Polícia Militar e estudantes, no ano passado, se mudou. Quando concluir a graduação, ela pretende voltar para casa.
Assim como na UFMT, o percentual de vagas reservado aos negros pela Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat) também não foi preenchido. O coordenador da Núcleo de Estudos sobre Educação, Gênero, Raça e Auteridade (Negra), da Unemat, Paulo Alberto dos Santos Vieira, afirmou que desde o vestibular 2005/2 já existe o sistema de cotas na instituição e, em 2015, deve ser revalidado, mas sempre sobraram vagas. Ao todo, 25% das vagas deveriam ser preenchidas por alunos negros.
Para o sociólogo, há alguns fatores que contribuem com a falta de interesse dos alunos, entre eles a pouca divulgação dessa política nas escolas. "É algo de conhecimento apenas da comunidade acadêmica. Falta divulgação. É um dos principais gargalos. Não ficaria surpreso se o diretor de uma escola dissesse que não conhece o programa", pontuou.



Fonte: G1